Homenagem às mulheres do Técnico
No dia 23 de Março, o Técnico homenageará as mulheres da «casa» com um tributo a três pioneiras revolucionárias: Maria Amélia Chaves, a primeira engenheira portuguesa, a Isabel Maria Gago, a primeira professora de uma escola de engenharia nacional (Isabel e Maria Luísa Pereira dos Santos, que com ela entraram no IST em 1933, foram as primeiras engenheiras químicas e as segunda e Terceira alunas do Técnico), e a Sílvia Marília Costa, a primeira catedrática em engenharia de Portugal.
Estas mulheres que escolheram uma profissão durante muitos anos exclusivamente masculina foram fundamentais na alteração do paradigma de género em Portugal. Hoje, se os indicadores de igualdade de género em ciência, tecnologia e engenharia do último She Figures da Comissão Europeia colocam Portugal no topo da tabela, devemos uma homenagem a todas as mulheres que, desafiando as normas sociais da época, ousaram ingressar na nossa Escola.
Nos últimos anos de existência do Estado Novo, a presença das mulheres na Universidade sofre um acréscimo considerável, consolidando uma tendência que já se vinha fazendo notar desde finais da década de cinquenta. Apesar disso, a agitação nas escolas não ultrapassa a recusa do conservadorismo do regime e a afirmação da tese genérica da igualdade entre homens e mulheres. As questões relativas à sexualidade, à contracepção e às escolhas amorosas, bem como as ideias de discriminação positiva ou de potenciação das diferenças, permanecem praticamente ausentes do corpo das contestações. Ainda assim, episódios como a ocupação da sala das alunas do Instituto Superior Técnico, em Dezembro de 1968, permitem perceber a existência de momentos em que se rompeu o manto dessa ausência.
Assim, no dia 23 de Março, o Técnico irá promover uma mesa redonda sobre O Paradigma de Género em Portugal e o Papel do IST, em que se debaterá a relevância das mulheres na engenharia, com enfoque na importância que estas assumem a partir da década de 40. Irão participar figuras proeminentes da nossa sociedade para analisar esta temática ainda tão actual. Contamos com a presença de Irene Pimentel, historiadora, Elza Pais, Secretária de Estado da Igualdade, Maria de Lurdes Rodrigues, Presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), Miguel Cardina, Investigador da Universidade de Coimbra e Palmira Ferreira da Silva, docente e membro do Conselho de Gestão do IST.
Esta iniciativa realizar-se-á no Grande Anfiteatro do Centro de Congressos do IST, às 17:00.
O Programa será o seguinte:
- 17:00
Recepção
- 17:30
Homenagem às mulheres do Técnico: Maria Amélia Chaves, Isabel Maria Gago e Sílvia Marília Costa (presidida pelo presidente do IST)
- 17:45
Mesa Redonda: Paradigma de género em Portugal: o papel do IST (abertura pela senhora Secretária de Estado)
- 19:00
Encerramento da Sessão
Maria Amélia Chaves
Maria Amélia Chaves foi a primeira mulher a licenciar-se em Engenharia Civil, pelo IST, em 1937, tendo sido também a primeira mulher a inscrever-se na Ordem dos Engenheiros.
Após regressar da Índia, onde estava a acompanhar o seu pai, Comandante Militar do Estado Português da Índia na época, começou a dar aulas num colégio para pagar os estudos.
Foi aos 20, em 1931, que decidiu ingressar no ensino superior, no Técnico, onde os dois primeiros anos eram gerais e só no terceiro ano era decidida a especialidade. Inicialmente era esperado que seguisse Engenharia Química, tendo no entanto optado pelo curso de Engenharia Civil rompendo com as normas sociais instituídas à época.
Após estágio com o Engº Arantes e Oliveira entra para os quadros da Câmara Municipal de Lisboa, onde iniciou também a sua actividade profissional, na fiscalização de obras, tendo sido a primeira engenheira da Câmara Municipal de Lisboa.
A primeira engenheira portuguesa foi também a primeira pessoa a desenvolver cálculos anti-sísmicos aplicados à construção civil, sendo por isso relatora no 1º Simpósio Antisísmico em 1955, tendo aí apresentado duas comunicações.
Dedicou-se posteriormente ao projecto de edifícios, tendo dedicado os últimos 30 anos da sua carreira à urbanização e construção imobiliária, principalmente em Lisboa, Oeiras, Sintra e Cascais. Aos 82 anos realizou a sua última obra: recuperar o prédio onde vive.
Isabel Maria Gago
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Isabel Maria Gago foi a primeira Engenheira Química licenciada pelo Técnico, ingressando no IST em 1933.
Em 1922, com 8 anos, entrou para o Instituto Feminino de Educação e Trabalho, cujo ensino muito elogia. Após cinco anos de instrução primária e dois anos de liceu, Isabel Maria, então com 14 anos, transferiu-se para o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho.
Em 1933 fez a admissão ao Instituto Superior Técnico simultaneamente com Maria Luísa Pereira dos Santos, terminando ambas a licenciatura em 1939 e classificando-se assim como as primeiras Engenheiras Químicas licenciadas pelo Técnico.
Após concluir a sua licenciatura permaneceu na Escola como assistente, seguindo a carreira de docente universitária até se aposentar em 1984, com 70 anos.
Sílvia Marília Costa
Sílvia Marília Costa, Engenheira Química, foi a primeira mulher a receber o Prémio Ferreira da Silva, o mais alto galardão conferido pela Sociedade Portuguesa de Química.
Em 1964 licenciou-se em Engenharia Química no IST, obteve o seu doutoramento na Universidade de Southampton, em 1970, realizando ainda um pós-doutoramento na Royal Institution em 1971/72, com Lord George Porter, prémio Nobel da Química em 1967. Regressa depois ao IST para leccionar, sendo, desde 1980, Professora Catedrática.
Foi Presidente do Centro de Química Estrutural no período de 1999 a 2009 no Complexo Interdisciplinar do IST, estando o seu trabalho marcado pelo contributo para o desenvolvimento da fotoquímica molecular.
Vídeo de Homenagem às Mulheres do Técnico
Discurso do Presidente, proferido na cerimónia
Cara Eng.ª Maria Amélia Chaves.
Cara Professora Isabel Gago.
Cara Professora Sílvia Costa.
Caros colegas e alunos, ilustres convidados.
É hoje aceite por todos que o desenvolvimento e a riqueza das nações estão directamente relacionados com a existência de ensino superior de qualidade. É cada vez mais reconhecido a importância do duplo papel que a Universidade desempenha, no progresso e no bem-estar das sociedades e na sua função fundamental de educar e formar cidadãos e líderes. No entanto, uma cidadania plena só será alcançada quando conseguirmos afirmar na nossa sociedade a necessidade de eliminar discriminações baseadas em estereótipos sociais e de género, (re)produtoras de mecanismos de exclusão. Fazê-lo é um desafio que compete a todos nós. É um desafio a que, por todas as razões, as Universidades não devem estar alheias. Mas na História nacional isso não foi sempre verdade.
Hoje, quando nos reunimos para prestar tributo a todas as mulheres do Técnico, a todas as que, desafiando as normas sociais da época, ao escolherem uma profissão durante muitos anos exclusivamente masculina, foram fundamentais na construção e afirmação da nossa Escola, considero imprescindível recordar o passado para podermos compreender o presente e, sobretudo, preparar o futuro, em particular quando a altura em que a Escola celebra o seu centenário é a altura de crise que me escuso a detalhar.
Não deixa de ser curioso que no passado sábado se tenha assinalado outro centenário. Há 100 anos, dois meses antes do decreto de Brito Camacho que fundou o IST, no dia 19 de Março de 1911, o "Dia Internacional da Mulher", foi pela primeira vez assinalado por toda a Europa. Cerca de 1 milhão de europeias pediram o fim da discriminação de género reivindicando o direito das mulheres ao trabalho, à educação, ao voto e ao exercício de cargos públicos. No Portugal de então, pouco se alterara a situação da mulher em relação ao Portugal atrasado da monarquia descrita em 1910 por Ana de Castro Osório no seu livro A Mulher e a Criança,: «não há país que avance e progrida se a mulher for nele uma serva perante a lei, uma inferior pela falta de instrução, um valor nulo na sociedade e na família.»
A revolução republicana de que celebrámos o centenário o ano passado, que antecedeu por uns meses o primeiro dia internacional das mulheres, foi feita por homens e por mulheres notáveis que lutaram com empenho e dedicação pela igualdade, liberdade e democracia. Mas, após a celebração do centenário da República quantos sabem quem foram Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Ângelo, as médicas que bordaram as bandeiras desfraldadas na Praça do Município no dia 5 de Outubro e que tanto lutaram pelos direitos das mulheres nacionais? Ou Ana de Castro Osório, e Maria Veleda? Ou conhecem a história da Liga Republicana de Mulheres Portuguesas em que todas elas militaram e que pretendia, acima de tudo, o acesso das mulheres à educação que lhes era negada?
Os dirigentes republicanos apoiaram e incentivaram as mulheres que reivindicavam igualdade de direitos e uma maior intervenção na vida social, económica e política do país. Uns porque acreditavam na justeza dessa reivindicação, outros porque lhes interessava criar mais uma frente de combate à monarquia ou seja porque consideraram útil do ponto de vista estratégico arregimentar as mulheres para a causa republicana.
Para as dirigentes da Liga, esta aliança entre os movimentos feminista e republicano era uma garantia de que quando a República fosse uma realidade, o governo atenderia as justas reivindicações das mulheres. Para o Partido Republicano, não obstante a promessa no Congresso de Setúbal de 1909, onde foi anunciada a necessidade de decretar a igualdade de direitos políticos e sociais para as mulheres, a Liga era acima de tudo republicana e só muito secundariamente das mulheres. E de facto, no dia 6 de Outubro de 1910 essa necessidade passou para muito um plano muito secundário, tão secundário que um escritor inglês, Aubrey Fitz-Gerald Bell, descreveu assim a situação de inferioridade das mulheres face aos homens num texto publicado em 1915: «A posição das mulheres em Portugal é outro exemplo de vagos ideais. A mulher é colocada num pedestal mas as mulheres nem sempre são tratadas com consideração, e nalgumas zonas do País são pouco mais do que escravas. (…) Ninguém se lembra de protestar contra isto, nem ninguém nota, e nem o Parlamento Republicano, que tão copioso tem sido na produção de legislação, fez qualquer esforço para apresentar alguma lei que tratasse da situação das mulheres, embora lhes tenha negado o direito ao voto.»
Nesse mesmo ano, em 1915, matriculou-se no IST a nossa primeira aluna, Maria Adelaide Quintanilha, que viria a anular a matrícula ainda durante esse lectivo sem ter completado nenhuma cadeira. Não sabemos as razões do abandono de Maria Adelaide, dois anos depois de outra mulher da sua família, Regina, ter sido a primeira licenciada em Direito em Portugal, mas não nos é difícil especular sobre pelo menos algumas delas.
A eng. Maria Amélia Chaves, que hoje homenageamos, ingressou no IST 20 anos após a sua fundação, em 1931. A confusão que, nas suas palavras, o seu ingresso causou numa escola de homens e para homens, são suficientes para podermos imaginar a recepção de Maria Adelaide 16 anos antes. À engenheira Maria Amélia, o meu profundo obrigado e a certeza de que a sua coragem, determinação e pioneirismo são parte integrante da nossa Escola. Sem o seu exemplo, o Técnico seria hoje mais pobre a todos os níveis. Coragem, determinação e pioneirismo que extravasou para lá dos muros da Escola afrontando as normas sociais da época que ditavam uma posição recatada e submissa às poucas mulheres que ousavam enfrentar o mercado de trabalho mais qualificado.
A professora Isabel Gago, a 2ª licenciada do IST e a 1ª professora de engenharia do país, ingressou no corpo docente do Técnico pouco mais de uma dúzia de anos após ter sido concedida às mulheres a possibilidade de leccionarem em liceus masculinos. À sua dedicação e empenho muito deve o Técnico e, em particular, o Departamento de Eng. Química. Mas mais deve o país porque sob a sua competente supervisão foram formados muitos alunos que, anos mais tarde ao longo da sua vida profissional, certamente se recordaram das suas aulas inspiradoras para por sua vez questionar os paradigmas de género que remetiam a mulher ao papel de dona de casa. E recordo aqui outra das grandes mulheres do Técnico, outra química, a Eng. Maria de Lourdes Pintasilgo, que presidiu em 1970 ao Grupo de Trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social, anos mais tarde transformado na Comissão para a Política Social relativa à Mulher, que efectuou o primeiro levantamento das discriminações no direito público e privado, propôs alterações ao direito de família e à legislação sobre o trabalho das mulheres. E que foi a primeira mulher a exercer o cargo de primeiro-ministro de Portugal.
Cara professora Isabel Gago, Por tudo aquilo que ajudou a construir, pela escola que ajudou a formar, o meu muito obrigado. Hoje, somos todos seus discípulos nos padrões de exigência e de rigor que sempre seguiu e que permeiam a Escola.
À minha querida colega Sílvia Costa, cujo trabalho lhe permitiu construir de raiz um grupo de investigação que ombreia com os melhores da área a nível internacional, reitero os agradecimentos pelo contributo inestimável na construção e consolidação da Escola de ciência que somos hoje, no centenário da sua fundação. Não foi certamente fácil ser a primeira catedrática numa área em que os lugares de topo foram ocupados exclusivamente por homens até há 30 anos. E se Portugal está no topo das tabelas dos países desenvolvidos em termos dos indicadores de género em ciência, investigação e engenharia, há ainda um longo caminho a percorrer no que respeita aos lugares cimeiros, em muitas áreas e não só na engenharia. Mas esse caminho seria ainda mais longo se a Sílvia não tivesse quebrado o primeiro “gelo” e impedido a cristalização de preconceitos com a excelência do seu trabalho e com a capacidade de trabalho que sempre demonstrou.
Maria Amélia, Isabel, Sílvia, o IST tem uma enorme dívida de gratidão para convosco. A pequena homenagem de hoje, estendida a todas as mulheres do Técnico, mais não é que um justo reconhecimento do vosso mérito. Em meu nome e em nome da nossa Escola, bem hajam.