Os estrangeirados na fundação do IST
É no campo do ensino, da pedagogia e das relações com os seus alunos que Bensaude deixou o seu maior legado. A leitura atenta do “Projecto de Reforma…”, da “Representação dirigida pelo Conselho Escolar…” e das “Notas histórico-pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico” (Imprensa Nacional, 1922), mostra que as suas preocupações neste domínio continuam de grande actualidade. As suas ideias são verdadeiramente reformadoras no que respeita à autonomia, à qualidade dos cursos de engenharia, à escolha do corpo docente, às infra-estruturas e equipamentos disponíveis para o ensino e aos modelos de aprendizagem.
Com as portas abertas pela legislação (Decreto n° 163 de 14 de Julho de 1911), Bensaude recrutou professores, nacionais e estrangeiros, cuja actividade era de reconhecida competência, sendo que alguns não estavam inicialmente ligados ao ensino. O corpo de docentes no período 1911-1920 era composto por 26 membros, dos quais cinco estrangeiros (Charles Lepierre - França, Giovanni Costanzo - Itália, Abram Droz, Léon Fech e Ernest Fleury - Suiça). Grande parte dos portugueses tinham efectuado os seus estudos superiores em universidades e institutos europeus, sobretudo em França e na Alemanha. Cerca de um quarto destes transitou do IICL para o IST. Bensaude foi acusado de anti-patriotismo, ao que argumentou “sem a colaboração dos professores estrangeiros teria sido impossível organizar alguns dos cursos do Instituto (…) os críticos (…) não têm noção nítida do que seja o patriotismo”.
Através da sua actividade académica, caracterizada por uma forte dedicação e sacrifício pessoal, como professor e director, conquistou a admiração e respeito de quase todos os que com ele lidaram. Sobre este assunto damos a palavra a antigos alunos e colegas de Bensaude, utilizando depoimentos publicados na revista Técnica da Associação dos Estudantes do IST.
Assim, no dia 6 de Fevereiro de 1941, cerca de um mês após a morte de Alfredo Bensaude, Herculano Carvalho, seu antigo aluno e então director do IST, referiu-se ao seu mestre do seguinte modo: “Homem de ciência, com múltiplas aptidões intelectuais, trabalhador primoroso no laboratório e até na oficina, pedagogo e homem de acção, capaz de projectar e realizar, senhor de vontade firme, tenaz, perseverante, êle seguiu sempre na vida trajectória da maior elegância moral. Com inteligência aberta a tôdas as curiosidades do espírito e na posse de cultura invulgar (…) em certa altura da sua vida inteiramente dedicado ao serviço do País, empenhado em obra a que sacrificou sossêgo de espírito e os próprios interêsses materiais. (…)”.
Mais adiante, considera que a acção de Bensaude “como reformador e pedagogo teve repercussões da maior importância sôbre a indústria portuguesa e não será descabido fazer sobressair êsse aspecto. (…) [considerando ainda que a] indústria tem larga dívida a pagar à memória de Alfredo Bensaude. Quer directamente através do Técnico, quer pela influência que a nova estrutura do ensino da engenharia exerceu em outras escolas”. Como aluno, H. Carvalho acrescentou “o interêsse que [lhe] despertavam as suas prelecções, feitas em linguagem a um tempo desataviada e elegante, sàbiamente doseadas de pormenores, quási sempre fruto de experiência própria. A autoridade do mestre e o seu amor ao «facto científico» despertavam (…) grande interêsse pelo seu curso”.
Finalizou o seu discurso deste modo: “O ensino do Dr. Bensaude tinha acima de tudo e essa qualidade domina tôda a sua obra - um carácter de objectividade flagrante que punha os discípulos em contacto súbito com a realidade. Esta característica arvorada em sistema pedagógico e a consagração do valor dos trabalhos práticos no ensino, eis talvez os dois maiores benefícios que resultaram da acção do Dr. Bensaude”.